sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Evitando o Caos


- Ai o caos! Ai o caos! E esta música frenética que me obrigam a dançar...
- Música? Qual música, menina?
- Qual música? Não ouve? O free jazz dos tempos, onde a história se escreveu e não permite ser mudada? Rodo.... rodo....enredada na própria culpa, e em teias de lembranças que afinal são simplesmente N-A-D-A!
- Espere, por favor cale-se! Eu sei que aqui não se escreve com maiúsculas, mas a partir de hoje, ninguém me ditará regras. Sim! regras! regras! regras!.... e multidões a rodar sem conseguirem parar...
- Ai que tropeceiiiiiiiiiiii!
- Tropeçou? E agora, menina?
- Agora? Agora, entro no poema que não era para ser dito desta forma, nem neste dia, nem a esta hora. E pronto aqui estou eu! Só, e sem ninguém a apontar-me caminhos.
...
Um dia, que mais sobrará de mim para além da culpa,
por não ter deixado o palco antes da peça terminar?
O cansaço apunhalar-me-á pelas costas 
estatelando-me o peito em terra árida.
Será tarde demais para me reconhecer, 
nem sequer o cheiro da pele colado às roupas 
que me cobriram o corpo parecerá meu.
Recordarei então, a luz que me iluminava o olhar 
e a docilidade nos gestos com que me movimentava 
(antes do caos)!
Agora, restam somente pingos de sangue 
a escorrerem-me dos olhos em forma de lágrima, 
e a dureza do chão onde encosto os lábios 
como se quisesse procurar a última gota do líquido milagroso 
que sacia a sede....
Dizem, que há ventos que podem secar assim a pele, 
e até a vida...
Ah! que saudades do aroma das pétalas brancas 
que cobriam aquele leito onde costumava sonhar, 
sem que ficasse presa a galhos de ciprestes verdejantes 
impregnados do veneno letal que paralisa os lábios 
ao soprar das velas...
Porém, hoje mesmo lembrei-me 
que um dia tive uma vida 
à qual permaneço aprisionada,
e à culpa de não me perdoar, 
quando apenas fui inocente...
...
-Espere.... espere... ainda está aí? Ocorreu-me que talvez pudéssemos evitar o caos se reescrevessemos a história ...
-Estou sim menina! Estarei sempre.... Pode começar! Como dizia Nietzsche, "É preciso muito caos interior para parir uma estrela que dança"
...Ordo ab Chao...


(eu)


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Desafiando a Utopia



Partimos, 
como se não houvesse amanhã 
em direcção à luz do sol fervente
sufocados pelo ar.
Tinhas os olhos tristes e empoeirados, 
na garganta fragmentos cinzelados 
que te impediam de respirar.


Impulsionei-te o corpo
para que conseguisses ultrapassar 
aquela tenebrosa repleta de matéria orgânica
e lixo planetário 
a deambular por entre sombras ameaçadoras, 
enganadoras airosas 
da grande árvore de hastes venenosas, 
como cascavéis de língua pontiaguda 
e barriga entumescida, prontas a atacar.


Elevaste-te, e deixaste para longe a amargura, 
atrás ficaram cães raivosos, babados
que se atropelavam e cravavam dentes 
em carne enrubescida e desprovida
de pele que lhe servisse de armadura.


O vento transportou-nos até ao ponto sagrado, 
onde a partida coincide com a chegada, 
e a viagem é uma linha imaginária
onde podemos desenhar a eternidade.


Chegámos, 
e enfeitaste-me os cabelos 
com os primeiros raios de sol, 
naquele lugar onde a poeira parecia luzidia, 
e com a mente esvaída de qualquer lembrança
açoitada pelo véu da esperança,
fizeste-me sentir amada à luz do dia.


Não mais sentimos medo da fera desvairada,
estendemos os corpos sedentos 
sobre intermináveis estrelas 
e acordei-te de um pranto sonhado em terra molhada


Da ilusão restou : 
este desejo que em mim ficou 
de subir tão alto, tão alto,
até onde as formas se diluem, 
os sons se dissipam, 
as cores se desvanecem...


Como se tudo o que se vê lá em cima, 
não pudesse ser contado cá em baixo.

(eu)

Imagem-Lauri Blank

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sonhos Perdidos



Choram-me nas mãos os sonhos que perdi,
distraída.

Enquanto dos dedos, fios de sangue escorrem para alimentar 
a terra.

Já não sei dizer onde se escondeu a ilusão dos dias brilhantes. 
Suponho que no fundo dos olhos, onde guardo raras estrelas.

É lá, no fundo dos olhos, que as hastes despontam e cospem pássaros em busca de sol.
Contudo, posso afirmar que ainda trago no rosto desenhados sorrisos, 
molhados de orvalho crepuscular, daquele tempo em que os dias e as noites eram uma confusa miragem.

Há um mundo secreto nesta viagem.
E eu, já não o posso negar...




(eu)


Imagem- Google

quarta-feira, 13 de maio de 2015

As Aves


Há um lugar 
onde as aves se juntam para morrer,
sem ruído, 
na limpidez de um silêncio que se faz ouvir
em música suave, 
apropriada ao terminus da vida.
Todos os outros sons seriam desnecessários:
ficariam silenciados 
pela imensidão do momento.

O rumo é para poente.
É lá que se preparam para a morte
(mesmo aquelas que costumavam voar para norte).
É um lugar no espaço que as aguarda na noite, 
ofertando-lhes um regaço de matéria inexistente.

Tudo é ilusório e desconexo.
Os rostos desabitados sem expressão
sentem o peso dos dias em que lhes faltaram, 
não sete palmos e meio de chão
(que é a terra que um homem necessita),
mas dois pedaços, 
onde não conseguiram pousar os pés.

E por isso se fizeram aves,
para poderem suportar 
a impunidade da sua morte.


(eu)

Imagem- Google

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Assim Soprou o Vento



Esperem....
Não açoitem o vento!
Ele traz-me novas desse lugar de espanto,
branco....tão branco,
como a nuvem que trago entre mãos
e que se esvai perdendo o encanto.

Ouvem-se melodias urdindo dos corpos, 
vêem-se estrelas a cegarem os olhos,
do campanário saem sons
dos tempos em que a Ilharga esquerda do corpo
gemia e eu repetia:

Já nem sei por quantos sóis me apaixonei
nem sequer quantas luas visitei...

A alma estava inteira e não me doía.

Antes de se ferir nos rochedos cálidos da vida,
nunca se calava,
como se quisesse dizer a verdade...


(eu)

Imagem- Lauri Blank

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Foi Assim, há Trinta e Dois Anos


Ela estava tão grávida, tão grávida, que a qualquer momento poderia dar à luz.

Meses antes, numa madrugada de verão, passara duas horas a olhar para um tubo de ensaio, colocado sobre um suporte de madeira ou plástico castanho, à espera de lhe ver aparecer no fundo, um círculo vermelho.

Sim, era um círculo vermelho no fundo desse tubo de ensaio, que lhe iria dizer se dentro dela existia vida a crescer.

Finalmente o círculo tão esperado apareceu, e nesse momento, nesse preciso momento, sentiu o coração anunciar-lhe que aí, começara a viver.

Era a primeira vez que ia ser mãe. E para ela, era tão importante ser mãe!

Com a doçura do seu estado de graça, sentia o ventre liso a pouco e pouco tornar-se saliente, enquanto um novo ser crescia nas suas entranhas e começava a ser-lhe vida e amor. Esse amor que não tem nome, que não pode ser definido pela palavra formada pela junção das letras: a-m-o-r, porque há sentimentos que transcendem a condição humana. Logo não podem ser traduzidos nesta dimensão.

A chegada do seu bebé, ficara prevista para a terceira semana do mês de Fevereiro. Entretanto, ela ia-se deliciando com os movimentos que cada vez se tornavam mais específicos dentro de si, e que a levavam a adivinhar partes do corpinho desse ser tão amado que brevemente iria poder sentir nos braços.

Seu pai, também nascido no mês de Fevereiro, desde o primeiro instante em que lhe fora anunciado que ia ser avô, sempre dissera:
"-Vai ser uma menina e nascerá no dia dos meus anos" . Frase que lhe ficou marcada na memória para sempre, e que a faz pensar como toda e qualquer intenção de amor, pode ditar uma vida.

Há trinta e dois anos, era terça-feira de Carnaval, foi também com o coração repleto de amor que ela abraçou e beijou o pai pelos seus sessenta e três anos. Mas logo pela manhã, notara que algo se passava com o seu corpo. Nada que a impedisse de festejar o dia com muita alegria, cantar os parabéns e comer bolo.

Depois...depois, cumpriu-se o que o amor ditara:

Eram vinte horas e trinta e cinco minutos, o seu ventre inchado transformou-se em vida.

Deu á luz uma menina, pesava três quilos seiscentos e cinquenta gramas e chamou-lhe Ana.

Não lhe conseguiu ouvir o primeiro choro, e o primeiro afago recebeu-o do pai, que vivera intensamente cada segundo desta gravidez, também sua.

O primeiro colo recebeu do pai, que estava lá, quando involuntariamente o da mãe foi forçado a falhar.

Estávamos no dia 15 de Fevereiro de 1983.

Obrigada minha filha, por me teres tornado mãe. Por nos teres tornado pais!

Muitos beijinhos de Parabéns pelos teus trinta e dois anos , com todo o amor e orgulho que sentimos por ti.

E nunca te esqueças:
É no brilho e na luz que o amor flui e se faz vida. É nos recônditos da alma que a felicidade se instala.


* Parabéns meu pai , farias hoje noventa e cinco anos... onde quer que estejas, sei que estás feliz por nós.



*Ah... e ela gostou tanto da experiência, que a repetiu por mais três vezes...




sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Inquietação


Há uma voz ameaçadora
que me cega o peito,
há um querer ver 
para além dos olhos
o pó que transporta o vento.

Há um crescer da fome 
com que os lábios sangram 
ao toque do beijo,
sempre que vejo, 
hastes que me saem do ventre
e se elevam ao céu 
em suplicas de ansiedade.

Quando a última lua 
se abrir nos meus olhos,
contar-te-ei a verdadeira cor das estrelas
e nelas pousaremos as mãos repletas de vida.

Unidos semearemos bondade,
da terra eliminaremos o desalento.

Tu serás o pó, eu serei o vento...




(eu)


Imagem- Lauri Blank

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Nunca Deixes que me Perca de Ti



Sei que um novo sol virá iluminar a terra,
e nela hão-de crescer árvores da vida.

Pingos de sangue espalharei por toda a parte
para que nunca te percas de mim.

Se um dia eu vier a sobrar-te 
nenhuma estrela sobreviverá a tal sorte,
nebulosas se estenderão por toda a parte,
e a cidade será apenas um mausoléu 
onde sucumbirei de eterna saudade.

Quero que saibas,
que há em mim a certeza de novas árvores
de novos céus, de novas lembranças.
Tudo será renovado 
com o abrir e o fechar dos olhos,
em transformações que não terão fim.

Sei também que terei de esperar 
por aqueles que vieram antes de mim. 
mas depois...
depois, poderei unir mundos 
resgatar estrelas, 
e morrer até te (re)encontrar.

Se um dia tu vieres a sobrar-me 
não deixes que me perca de ti.
Limpa do rosto as lágrimas de saudade
procura-me entre sóis, ou luas empoeiradas, 
em águas planetárias ou rios submersos.
E não te esqueças que o segredo do Universo
está na força da gravidade.

E no amor que me impulsiona os versos.


(eu)

Música que me inspirou o poema


Imagem- Lauri Blank

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Poema de Amor


Há trinta e três anos,
comecei a escrever 
um poema de amor.
Não! 
Não é uma epopeia.
É mesmo um poema de amor.

Com alguma timidez 

comecei-o assim:
- "Até que a morte nos separe".
Hoje, 
conheço-lhe já o último verso. 
Será assim:
-"E nem a morte poderá separar-nos".

Talvez um dia 

alguém o publique.

Talvez...

Parabéns para ti, 
parabéns para mim, 
parabéns para nós.

Tanto faz...



(eu)