sexta-feira, 29 de março de 2013

Ela




Ela, tinha olhos cor de rosa e lábios cor de marfim. Pensavam que era deusa. E, todos os dias, lhe pediam mais um milagre. 
Sempre tentou manter o perfume do seu olhar e a preciosidade 
dos beijos que dava ao mundo. 
Só quando, dos seus poros saíram as primeiras gotas de sangue, 
se convenceram da sua natureza humana e tentaram escutar um coração que já não batia.
Aí choraram e maldisseram nunca terem tocado a sua pele. Mas era tarde. 
Ela assumira a sua divindade e entregara-se aos céus.

(eu)

                                                                         
                                                                     

sexta-feira, 22 de março de 2013

Contornos



Eram apenas 
os contornos de um rosto
vago sem expressão,
perdido numa multidão 
noctívara
movimentando-se 
como um fonema solto 
na imensidão de um poema.

Havia nele 
a expressão singular
de um lugar poético 
sem palavras sangrentas 
nem nós presos na garganta
onde, 
na combustão das mãos 
tentava explicar 
o fenómeno da vida. 

Inúteis eram as asas 
que se formavam 
tentando segurar 
o som do silêncio
a antecipar-se 
ao nascimento da voz.

Essa que prolonga 
palavras em ecos 
retalhados de luz
como um corpo inteiro
lançado 
à linguagem do infinito.

E o rosto reapareceu
emergido das sombras 
despido
do luto que o cobria
enquanto 
na ebulição do sangue
os dedos restauravam a palavra
que se acendia no pensamento.

pressentiu-se nele 
o recolher da memória
enquanto o corpo 
se abandonava ao sonho
cansado da lucidez 
com que não conseguiu 
desenhar-lhe um sorriso.

Depois, como que seduzida
pelo grito de uma ave nocturna
a multidão desaparecia 
na extensão de um céu aberto
numa viagem sem regresso.

O sonho já ia longo 
na respiração da noite.

De olhos cristalizados
na mudez do seu olhar,
apercebeu-se nesse momento
do significado 
das palavras 
que não disse.

(eu)

terça-feira, 19 de março de 2013

A Dor da Palavra

                                       daria endressen
                                                                                                            
Dói-me a quietude
dessa indiferença
ao som que as minhas palavras
deixaram de provocar.

Dói-me o silêncio
outrora preenchido por um doce canto
com que muitas vezes amenizei 
sorrisos, confessados incompletos

Dói-me a dor 
com que não te dói esta amargura
de não conseguir fazer do meu corpo
a página do poema que não sei escrever.

Dói-me a ilusão
da palavra esquecida,
sempre que as outras palavras 
lhe atropelaram o sentido
e ela morreu, sem força para sobreviver

Dói-me a alma 
de tanta espera
por aquela madrugada cristalina
em que na alvura de sentimentos sublimes
a palavra renascia diferente.

E era palavra eternamente.

(eu)

sexta-feira, 15 de março de 2013

Confissão


                                                                                                   liu yuanshou

Em segredo confesso-te: 
não reconhecer o eco da minha voz,
nem sentir poesia nas palavras que esmago
entre os dedos 
na inutilidade de deixar transparecer 
algumas sombras
em cada dia que se certifica 
com o renascer do sol.

No meu delírio peço-te:
deixa que o teu pensamento se eleve
nas asas de uma borboleta multicor,
para que todas as minhas quebras de silêncio
não sejam apenas 
o preenchimento de espaços vazios 
e lamentavelmente deixados ao abandono
nas entrelinhas de vocábulos sem expressão.

Sinto ter esgotado todos os paradigmas da escrita
e, num respirar lento sobre o anonimato da minha pele,
inclino-me para receber sobre os ombros o peso do céu.

Da boca escorre-me um fio de sangue em ebulição
que detenho entre os lábios, para que o coração não pare.

Neste breve tempo em que florescemos pálidos
em campos repletos de metáforas brancas,

Promete-me:

Que numa tentativa de tocares a minha alma,
pintarás estes meus versos da cor da paixão.


(eu)

segunda-feira, 11 de março de 2013

Na Tua Ausência



Ausento-me de olhos tapados
do lugar de onde 
se sentem todas as ausências.

Percorro silenciosamente 
o caminho
de onde provêm todos os silêncios.

Imagino a quietude da palavra 
que subsiste ao entardecer da voz.

E mesmo assim o meu rosto se reflecte
nas sombras que se anunciam
cobrindo de luto, 
os dias que se diziam iguais.

De pálpebras cerradas,
há apenas um pequeno intervalo 
entre os lábios
onde não cabem as palavras impossíveis.

Hoje será tarde
e uma noite não é suficiente
para aclamar a voz dos lírios azuis
nascidos nos campos orvalhados de luar.

No entanto 
e para espanto do meu corpo
sinto sempre vontade de conceber-te:

POEMA! 


(eu)

sexta-feira, 8 de março de 2013

Quando o Verso se Desfolha – 06.Março.2013

                                                                         

Quando o Verso se Desfolha – 06.Março.2013

 

Um grande beijinho de profunda gratidão, à minha amiga Aurora Simões de Matos por ter dado voz a um poema meu, na Rádio Clube de Lamego.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Um Simples Poema


                                                                                                           daria endressen
Seduz-me a ideia 
de escrever para ti.

Pediste-me um poema.

E num livro cujo nome
não consigo nomear,
consagrei-te as páginas 
da minha vida.

Toma-o por inteiro
não tentes dividir-me a voz
nem o corpo nem a alma.

Nele 
passeiam veias
ardentes 
de sangue corrosivo.

Deflagraram
pelo teu corpo
e prenderam-te o nome.

Foi assim que aprendi a sonhar.

(eu)

quarta-feira, 6 de março de 2013

As Coisas que me Ensinas




Hoje entendi 
a simplicidade do amor.

Entendi que sentir a plenitude
só é possível,
se não nos detivermos em possibilidades
nem carregarmos o peso 
das coisas pequenas.

Não existe explicação possível
para todas as probabilidades.

Incauto é o sentimento que reconheces em ti,
sempre que afastares as sombras que te atormentam.

A luz retirada aos olhos que preferem se suicidar
é responsabilidade de quem esconde a verdade
por detrás do seu próprio rosto.

Que interessa se o sol nascer a poente?

ou se o poema morrer 
antes que se acendam todas as estrelas,
ou até renascer do eco das palavras?

Que importam os verbos conjugados 
no pretérito imaginando dias futuros?

Que importam todas as coisas 
se deixarmos as flores murcharem? 

Ah!...amor...
Esquecia-me de te dizer:

Hoje cortei todos os espinhos às rosas
e plantei amores-perfeitos no nosso jardim.

(eu)

sexta-feira, 1 de março de 2013

Sem Sombras




Todos os sonhos 
me pareceriam insuficientes,
não fosse esse lugar 
chamado ilusão,
antecipar-se ao nascimento 
de cada palavra retalhada
pela voz com que calo 
o meu silêncio.

Perguntar-me-às :
que sei eu, sobre o enigma do amor? 
como poderei saber de um sentimento 
tão sublime, se me fecho inteira
na essência com que tento cobrir
a minha sombra?


Então falar-te-ei:
do anonimato da pele com que revisto 
os meus desejos e os meus ensejos,
do esboço forçado do meu sorriso
em cada lágrima cristalizada na face.

Por acaso sabias,
que a torrente do amor 
se perfila ao sangue que me corre nas veias?
E que hoje,
o meu ventre se encheu de aromas
e grávida de vida, pari flores?

Por isso,o meu poema não vai sangrar!

Nenhuma ave nocturna se interporá 
às palavras que te trago, resgatadas
da fonte da vida...

Tudo o que era sombrio, Hades levou!


(eu)