terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Sei


Agora eu sei

não é fácil ouvires-me 
na quietude das sombras,
nem veres os traços do teu rosto
nas águas silenciosas do meu rio.

O tempo é escasso para lançar palavras
ao esquecimento de sonhos amputados.
Todas as correntes transportam consigo o eco das marés
e nelas navegam em silêncio uma voz sobrevivente.

Depois, há o rugir da terra a soltar o poema,
aves que ressuscitam a declarar impunidade à sua morte,
há o choque da palavra lavrada com laivos de sangue
onde a mudez se instala nos lábios humedecidos
e perpetuados em beijos inconfessáveis...

Há tanta coisa que não podes ouvir
nem ver, 
neste olhar cansado e exausto 
com que me abandono à cegueira da ilusão.

Agora eu sei



(eu)



Fotografia- Jaroslav Monchak

domingo, 22 de janeiro de 2017

Súplica



Tudo em mim é antigo 
ou movido a vapor...

Eu disse-te mãe,
não ser boa ideia,
pedir contas ao futuro.
Hoje rasurámos as palavras 
e guardamos vestígios de silêncios
no fundo do peito.

Porém , reconheço esplendor 
no som das nossas vozes.
As penas nas asas do voo 
são cada vez mais escassas,
e os gestos enigmáticos 
com que um dia me ofereceste o seio,
são um bálsamo 
para a minha alma faminta.

Incomensuráveis 
são os gestos de amor
onde guardo a ternura pulsante 
da infância.

Despe o peito da vertigem dos dias chuvosos,
mãe...

E ama-me!! 
Ama-me enquanto existirem rosas...





(eu)


Imagem- Natália Zakonova

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Ecos Da Alma



Caem ecos das palavras 
que deixei sem nome.

E este marulhar de ondas longínquas
onde um dia fui passageira 
num mar de emoções,
desagua no silêncio dos sonhos.

Há pássaros que não sobrevivem às intempéries
de um peito onde se erguem muros incontornáveis,
e as estrelas explodem na ânsia 
de anunciar ao mundo memórias 
de outros tempos.

Pobres os que vivem a antecipar o futuro.
Todas as farsas merecem ser abandonadas à ilusão.

Porém dizem ser assim:
as estrelas alicerçam-se às águas 
para nos restituírem reflexos do nosso rio ...

E eu aqui, a tentar segurar 
a inconfidência das metáforas...


(eu)



Imagem-Jaroslav Monchak

sábado, 14 de janeiro de 2017

A Falar De Amor



Tantas vezes falei de amor
e da pureza de um coração aberto
a lançar chamas para a raiz dos lábios.

Tantas vezes falei de uma artéria pulsante
que me atravessa a língua e mapeia a boca 
como lava incandescente a queimar beijos.

Tantas vezes entrei no comboio das cinco
passageira alheada em sonhos meus e teus...

E viajámos por mundos infinitos
tão distantes, 
imaculadamente brancos,
onde o negro era impensado 
e a música das nossas almas 
não permitia entoar silêncios.

Agora entardeceram os sonhos 
as metáforas esconderam-se timidamente 
atrás do poema
como se fosse pecado serem descodificadas.

Contudo,
pressinto um tremor gigante na ponta dos dedos...
e tanto rio a galgar as margens...



(eu)



Imagem - Santiago Carbonell

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Grito




Há um invisível silêncio
onde não consigo permanecer.
Ruídos longínquos 
onde um dia ousei escrever o teu nome,
assombram-me os dias
e nos olhos entram-me memórias
das palavras que abandonei ao vento.
É neste abismo temerário 
entre o dia e a noite
que sinto a pureza dos versos 
e apetece-me gritar-te: "Poema".



(eu)




Fotografia- Alfred Cheney Johnston

domingo, 8 de janeiro de 2017

Regresso




Quisera eu apunhalar o verbo,
desfazer-me das palavras
e da volúpia de ser pássaro,
calando este coração que me é servo.

Colar à tua pele molhada 
o caos  do meu peito
e sufocar-me em sonhos 
turvos e desabitados
nas noites que morro
em labirintos fechados 
para renascer na luz extremada
dos sóis que nascem 
em cada madrugada.

Vertiginosas  são estas  asas 
que me amparam o voo
sempre que a alma se debruça

em terra molhada...



(eu)



Imagem- Laurence Winram