segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Regressão




 


Se eu pudesse voltar a ser linda,

                                                  queria saber:

do meu primeiro sorriso,
do balbuciar da minha voz,
dos meus primeiros passos,
dos meus primeiros desenhos,
da minha primeira boneca,
do meu bibe cor de rosa.

Das minhas primeiras letras,
dos meus primeiros versos,
da solidão dos meus afectos,
do meu primeiro beijo

                                            e da culpa.

Da culpa com que desfiz as tranças
da culpa que senti
quando dentro de mim
o coração pulsou
no impulso do primeiro amor.

Se eu pudesse voltar a ser linda,

                                               queria saber:

da obediência exagerada,
dos amores reprimidos,
dos desejos recalcados,
dos segredos bem guardados,
dos momentos ignorados,
do amor que tenho para dar

                                                  e da culpa.

Da culpa de ter perdido os laços
da culpa dos embaraços
de sentir o que não sei dar.

Se ainda me achares linda.

Fala-me de tudo isto
e fala-me também

                                            da culpa.

Então,
só então,

                                 poderei


                                         pedir-te perdão!

(eu)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Talvez


    -daria endressen.





Hoje eu queria escrever
do outro lado da folha
                                     acorrentada

às palavras que desconheço
na misantropia de selváticos sentires.

Não há idioma que sobreviva
a uma língua

                                      golpeada

e impunemente atirada ao chão.

Talvez com o vento a folha se volte.

(eu)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Silenciosamente Adormecida

    foto : -daria endressen.

Como dói este silêncio
que gravita em redor da minha boca.

Meus olhos calados, seguem passos 
em busca de memórias veladas
ousadamente guardadas
naquela casa acabada de ruir 
sobre meu corpo quase inerte.

Não me perguntes onde desabou
o sorriso que me perseguia em delírio,
não me obrigues a desobedecer ao chamamento
das águas que pretendem diluir a minha voz.

É premente que assim aconteça!

Pudesse eu regressar ao aconchego do útero
e impedir que a larva criasse asas,
todas as vozes ficariam silenciadas
e nenhum vulto ensombraria esta pálida existência.

Para quê fustigar o sangue?
Se o corpo permanece derramado no chão.

Tudo em mim continua adormecido
excepto eu!


(eu)




terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Em Espera

                  foto: -alfred cheney johnston.

Chama-me!
E talvez eu vá...

Sinto o aroma 
com que a pele se desnuda
no silêncio da tua carne,
onde quase tudo se assemelha
à cor das minhas entranhas.

No entanto, 
custa-me imaginar-te
nessa rendição constante
ao pulsar das veias.

Sendo o meu corpo 
esse lugar secreto 
onde a tua pele se estende,
guardarei todos os dias sentidos
na boca do meu poema.

Chama-me!
E talvez eu vá...

Não ousarei mais desafiar-te,
esperarei sem ânsias
o marulhar das águas.

(eu)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Ao Menos Hoje



Hoje, descalça os teus pés
e fecha os olhos a essa ilusão
que teimosamente reflecte um rosto 
que não te pertence.

Desfaz-te das máscaras 
com que diariamente te confrontas,
observando os círculos percorridos
por uma humanidade quase desumanizada.

Ao menos hoje, 
liberta as palavras que acorrentas na garganta
sem coragem de pronunciar o grito das aves, 
contido nos movimentos imperfeitos 
com que se separam das suas próprias sombras.

Há sempre um dia 
em que o húmus terrestre
se prontifica a fortalecer os pés descalços,
e os pássaros voltam a sobrevoar as mentes
que um dia se esqueceram que amar era fundamental.

E apenas conseguiram ver 
ventres cheios, inchados de matéria oca 
na ilusão da imagem distorcida 
pela convexidade de um espelho interior 
onde tentaram vislumbrar 
a complexidade da essência da alma.

Sinto que floresci de um caule robusto, 
mas a minha carne continua a tremer
nesta tentativa sempre imperfeita de tocar o céu
nos momentos em que no meu silêncio 
consigo ouvir o pranto da terra.

Hoje, descalça-te, verga-te, e sente o aroma 
com que o sol brinda o teu olhar.




(eu)


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Reflexões

                      foto: -alfred cheney johnston.

Talvez até 
eu ainda não saiba
porque cada poema
ao sair-me dos dedos
revela-me uma vitória 
sobre a vida.

Há uma janela que se abre
ao meu pensamento,
donde plagio estrofes inteiras
descobertas pelos véus com que
outrora tapei as minhas dores.

Talvez até 
eu ainda não consiga
ler este livro que teima 
abrir-se aos meus olhos,
cansados de tantas viagens 
que me sobraram 
na amargura do sonho.

talvez até 
eu me arrepie
cada vez que pressinto meu corpo
repousando em sombra alheia.
e o meu ventre abrindo-se 
ao estrondo de um trovão.

Para quê decifrar enigmas?
Nem todos os frios gélidos vêm do norte, 
nem há força de mãos, 
capaz ...de rasgar a morte.


(eu)

sábado, 2 de fevereiro de 2013

No Silêncio das Tuas Mãos

                       foto: -alfred cheney johnston.

Hoje, não me apetece
ouvir a voz do teu silêncio.

Deixa que só hoje, apenas hoje, 
eu seja dona de todas as palavras 
e possa erguer o verbo em minhas mãos.

Pouco importa que não consintas
a interrupção dos sons que sufocas,
sempre que nas oscilações da nossa pele
me interrompes o poema com ruídos de fundo.

Desalinhas-me os versos
e, impensadamente quebras a lucidez 
com que me propunha continuar o sonho.

Permite-me apenas hoje 
algumas horas de descrédito,
nem sempre as águas correm 
ao sabor dos ventos.

Hoje, apenas hoje, 
quero as letras só para mim.

Talvez amanhã, 
possamos acabar o poema
a quatro mãos.

Abraço-te meu amor...

(eu)