domingo, 21 de outubro de 2012

Jardins Floridos



Perfeitas e aromáticas
são as rosas
que se desfolham sobre o meu peito.
No ventre sequioso
(re)nascem rios sobre montanhas
férteis de vida.

Cobertas p'lo orvalho matutino
as corolas recebem a luz 
remanescente do sol que raiou 
no dia anterior.

Debruço-me sobre o leito
onde as águas escorrem fugidias
e embriago-me na doçura
das madrugadas frutificadas
antes do corpo se tornar deserto.

Sustenho os aromas 
e na pele desenho um belo roseiral
fruto das estrelas 
que teimam iluminar-me o pensamento
sempre que em desalento
olho para a vida
como quem está farto de esperar.

E prestes a desesperar
com o meu olhar sofrido
acabo por constatar
que o jardim, continua, florido.



(eu)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

[Re] Nascer






Olhei para os olhos da minha alma
e consegui conservar a lucidez.
Percorri espaços entre sóis e luas
furtei-me às trevas e de uma só vez
dependurei-me em laivos de luz.

Sob os meus pés adivinhei a morte,
porém vi-a passar adocicada pelos frutos
que me saíram do ventre no dia
em que me debrucei sobre as pétalas caídas
do roseiral da humanidade.

Por isso podes crer-me:
o (e)terno acontece 
sempre que te frutificas 
em lençóis de aromas
regados com os pingos do teu sangue.

Como se o voo da águia te dividisse o corpo
para que nunca mais te sentisses só.

Um dia regressarás ao pó
E bendirás aquele em que nasceste.

Num sopro Divino completar-te-ás
e saberás porque vieste.

(eu)

domingo, 14 de outubro de 2012

Nas Asas do Sonho



As aves voltaram a migrar
sinto-lhes o grito sofrido 
sempre que tentam 
invadir-me o poema.

Descem do norte 
com rumo a terras 
aquecidas 
onde vão procurar a sorte
ou um fonema 
a rimar com morte.

Rebentaram durante a noite 
sobre o mar.
Sem saberem que já não vivem
continuam a voar. 

Exaustas rasgam o vento
[impunemente]
e eclodem dos céus
ao som lacrimoso
de um réquiem 
entoado por um velho
stradivarius.

E por motivos vários 
bendizem a vida que lhes deu asas.

(eu)

sábado, 13 de outubro de 2012

Segredos Guardados



Há sempre um tempo qualquer
em que as palavras me fuzilam a alma
e assim caio em mares de água virgem
onde as conchas os búzios e as quilhas
do recuo das marés, me beijam os pés
e me elevam nas vagas dessas águas 
Em que meu sangue se dilui adormecido.

Sigo no segredo dos mares
qual gigante cantado por Camões
consumo-me nas águas límpidas das canções
de ninfas desabrochando em botões de rosa.

Filhas de Zeus nesses mares secretos
ondulam-me o peito em cantares de amor
Soam ecos de palavras consumidas na boca
sem saber se este calor que de mim brota
é poesia ou poema escrito nos desertos
Desta alma que se desalma como louca.

Agarro-a sem saber se me pertence
não quero perder a alma antes de morrer
nem sequer deixar palavras por escrever
mesmo fuzilada em mares de amores.

(eu)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Silêncio


Inútil
silenciar palavras presas
na garganta.

Imerecidos
são os momentos
de silêncio


suspensos na languidez 
de uma língua 
quase inerte.

À sombra 
do terrifico medo
que nos sufoca 
na espera de uma morte
suave
em noite de luar.

Essa certeza
que inutilmente 
nos amordaça.

Até ao dia
Em que inevitavelmente
virá
para sempre
nos abraçar. 

(eu)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ausência




Sinto 
em cada palavra
a ausência sombria
da poesia do teu corpo 
a delinear-me o pensamento.

Entro em mim 
e vagueio por lugares
repletos do teu silêncio.

Onde estás amor?
Que já nem reconheces 
a minha voz.

(eu)

Lágrimas Poéticas


Serena é esta alma errante
à procura de uma página onde
se possa escrever.

Distante é este cantar
declinado sob uma vida descrita
com a suavidade de uma pena.




Hoje não me vou alongar:
não preciso da cor do papel
nem da força do gesto
nem tampouco 
da intensidade do olhar.

Deixem-me apenas vaguear 
Nas asas do vento mesmo nas noites
Em que não houver luar.

Talvez assim eu adormeça
neste baloiçar tardio
em que de saudade 
a minh'alma entorpeça.

E em sonhos por sonhar
viverei na ilusão
de que a Poesia foi a razão
porque a vida me fez chorar.

(eu)

domingo, 7 de outubro de 2012

Sem Tempo



Talvez eu hoje
até te escrevesse 
um longo poema

Mas ficava sem tempo 
para escrever
o que tenho para te dizer:

Nas asas do vento 
chegou-me um aroma
a flor d'Oriente.

Vindo desse deserto
tão perto
do oásis da minha
(in)existência.

(eu)

sábado, 6 de outubro de 2012

Autobiografia



Sentia-se perto do céu
como poderei dizer?
Havia uma luz que a cegava
e um sentimento intenso
que nela se frutificava.

Ao longe estava a porta 
que ninguém conseguia abrir.

De olhos perdidos no vazio
quase clandestinos
sentiu a dor da terra
que a vira nascer.
Os lábios húmidos tremiam-lhe
enquanto nas palmas das mãos
árvores da vida começavam a crescer.

As portas secretas 
abriram-se inesperadamente
num convite implícito
De regresso às origens.

E foi assim que começou a escrever.

No repouso silábico
da sua existência calma
incansavelmente escrevia a alma
calada.

Aves pousaram-lhe entre os dedos
freneticamente febris
dos poros inflamados do tempo
em que viveu 
silenciada.

(eu)