sábado, 9 de novembro de 2013

Hoje

        Fotografia de Alfred Cheney Johnston


Hoje faço anos e
ergo-me serena.

Desta vez - e só desta vez -
deixei o medo guardado no outro lado de mim. 

Há uma sede de frescura a crepitar-me nos lábios,
mas o caminho que se me afigura adiante 
é pantanoso [diria até pernicioso] 
e ladeado de charcos com sabor a sal.

Um dia disse-te: 
"Há dias, muitos dias, em que todas as palavras te pertencem".
As minhas!

Respondeste-me com um sorriso lânguido que me fez
sorrir-te também. 

E fui atrás de ti, para onde todas as  palavras me levaram.
As tuas!

Mesmo aquelas que não disseste. Ou não conseguiste dizer. 
Acho que preferiste resguardá-las para uma cerimónia de iniciação, 
um pouco antes de adormecermos. Os dois.

Achei bem, e abracei-me a ti. 

Li-te nos olhos o amor.
Falaram-me dos dias felizes, em que todos os jardins floriam
ao nascer do sol.

Mas, um dia, todos os poetas estarão mortos. 
E as flores serão decepadas e depositadas em jarras de vidro. 
Assim acabarão os jardins.
E a vida deixará de ser colorida e de ter perfume. 
[A terra ficará árida.] Sobrarão apenas as sombras,
as memórias e, quem sabe, o eco das palavras.

Das minhas. Das tuas.

Antevejo  o caminho que nos resta percorrer
a escorregar pelos portões da vida.
Todas as palavras que nos restam se tornarão mudas 
no escuro da noite.
Onde adormeceremos juntos.

De olhos cerrados, de mãos entrelaçadas,
tal qual aquelas que entrelaçaram as nossas vidas.

A minha. A tua. A nossa.

(eu)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Passos Incertos

                                           Imagem- Escher




Ainda não sei porque me desencontrei
dos passos dos homens,
como se um fio luminoso marcasse a rota, e insistisse
em segurar-me os pés,
sobre a lâmina acutilante de uma navalha aguçada.

Amedrontada,
num equilíbrio quase forçado, ergo-me (trans)lúcida
numa tentativa infrutífera de encarar quem ousou
decepar-me os sonhos.

Silenciada,
na transparência de um Outono antecipado,
tento ensaiar o caminho, numa sequência de passos
sem retorno.

Mas ainda caminho!
.
.
.
ainda consigo caminhar...
.
.
.
Faço-me acompanhar de palavras
desiludidas pelas melodias que deixaram de entoar.
E os sorrisos que outrora me embalavam, tornaram-se hoje,
canções de despedida.
.
.
.

As marés, as noites de luar, o chilrear dos pássaros,
caíram no esquecimento das coisas sem nome.

Mas eu continuo a caminhar...
.
.
.

Num corpo cada vez mais frágil,
à medida que o coração se agiganta.
E cresce...
                       CRESCE
                                               CRESCE.


A cada passo que dou,
a venda outrora opaca que me cobria o olhar cansado,
desdobra-se no horizonte,
deixando transparecer a luz da minha existência.

Pressinto o respirar das árvores,
pressinto o canto das estrelas,
pressinto o pulsar do sangue da vida,
e, por momentos, parece-me lógica a imortalidade de todas as coisas.

Quem sabe, numa outra dimensão, estará a ser pronunciado o meu nome.
Quem sabe, estes passos me conduzirão a algum lugar.


quem sabe...
talvez
.
.

eu caminhe com destino...

Pois sem parar, de pés descalços, continuo sempre,

                                                                                       

                                                                                        a caminhar...

(eu)