sexta-feira, 22 de março de 2013

Contornos



Eram apenas 
os contornos de um rosto
vago sem expressão,
perdido numa multidão 
noctívara
movimentando-se 
como um fonema solto 
na imensidão de um poema.

Havia nele 
a expressão singular
de um lugar poético 
sem palavras sangrentas 
nem nós presos na garganta
onde, 
na combustão das mãos 
tentava explicar 
o fenómeno da vida. 

Inúteis eram as asas 
que se formavam 
tentando segurar 
o som do silêncio
a antecipar-se 
ao nascimento da voz.

Essa que prolonga 
palavras em ecos 
retalhados de luz
como um corpo inteiro
lançado 
à linguagem do infinito.

E o rosto reapareceu
emergido das sombras 
despido
do luto que o cobria
enquanto 
na ebulição do sangue
os dedos restauravam a palavra
que se acendia no pensamento.

pressentiu-se nele 
o recolher da memória
enquanto o corpo 
se abandonava ao sonho
cansado da lucidez 
com que não conseguiu 
desenhar-lhe um sorriso.

Depois, como que seduzida
pelo grito de uma ave nocturna
a multidão desaparecia 
na extensão de um céu aberto
numa viagem sem regresso.

O sonho já ia longo 
na respiração da noite.

De olhos cristalizados
na mudez do seu olhar,
apercebeu-se nesse momento
do significado 
das palavras 
que não disse.

(eu)

1 comentário:

  1. Da utopia de um sonho,até ao concreto do momento vivido ,mudo embora.

    Há situações em que só o silêncio é capaz de interpretar e de expressar o sentido do voo. Muito em especial quando a memória se recolhe,enquanto o corpo e o seu gesto se abandonam ...«ao sonho cansado da lucidez com que não conseguiu desenhar-lhe um sorriso...»

    Muito belo,nas entrelinhas da vida...lida por quem conhece os caminhos da sedução, da frustração,da fantasia e do encantamento.Porque é Poeta e o seu dom lho consente.Mesmo que o sonho se alongue na respiração da noite....

    Grande sorriso para si...e grande respeito por sua Poesia,querida Cristina Cebola...

    Aurora

    ResponderEliminar