segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Julgamento



Hoje a cidade alevantou-se apavorada. 

No rio flutuava o seio de uma mulher meio coberto por longos cabelos negros, que se misturavam na seda azul colada ao corpo, do vestido que ousou usar, no dia em que resolveu entregar o corpo ao mar.

E assim navegava a náufraga, ao sabor do vento e do julgamento implacável daqueles que haviam atirado a primeira pedra. Viajava pelo caudal em direcção à foz.

Na praça principal, ouviam-se sirenes, como se quisessem interromper um percurso que ela própria ousara escolher: matar-se para não morrer!

Nos lábios azulados levava o sabor da fome de justiça, e o ventre parecia inchado de tanto sofrer.

A multidão continuava a aumentar, o espectáculo era digno de se ver . A chuva caía miudinha como se quisesse abençoar a suicida, e conceder-lhe o perdão por tamanha atrocidade. 

Havia rumores espalhados pela cidade, que mostravam bem a falta de equidade dos conterrâneos.

Afirmavam que era jovem, apesar da placidez e anonimato de um rosto cinzelado.

Houve até quem conseguisse apreciar a sua beleza, na fugacidade da pele entregue ao destino das águas.

E assim continuou o caminho, tendo como único carinho as caricias do vento e o resto dos sonhos que com ela adormeceram. 


Na manhã seguinte, o rio galgou as margens e um relâmpago abateu-se sobre a terra ...iluminando-a...


(eu)

Imagem- retirada da net

14 comentários:

  1. Querida Cristina,
    Ficção ou verdade, descrita de maneira a me fazer adentrar e emocionar- me!
    Colocaste leveza para descrever fato inusitado e triste!
    ...O mar sabe o segredo!
    Tenha uma feliz semana!
    Beijos!

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  2. Julgamentos apressados, quando o vento e o mar eram as únicas testemunhas.

    De uma beleza rara a sua escrita. Prende-nos. Delicia-nos.

    Beijinho

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  3. Teu texto tem uma ausência
    digna de referência
    falta referir-te o trovão, digo-te eu
    que a todos ensurdeceu

    A natureza é mesmo assim quando produz juízo
    (belo, teu escrito)

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  4. Olá, querida Cristina!

    Não vou classificar este seu texto como de difícil entendimento, mas dá aso a várias interpretações.

    Algo que ouvimos, assistimos, ou que pensamos, talvez, um dia fazer, para sabermos, depois, no além, o que disseram de nós, que causas inventaram, e que justificações engendraram, portanto, estamos a ser "JULGADOS".

    Quantas pessoas não passaram já por este ou outros julgamentos semelhantes? Muitas, decerto. Toda a gente opina, mas ninguém sabe a causa, o motivo real que levou a...

    Esperamos muitos mais relâmpagos, que possam iluminar as mentes, que, já se julgam iluminadas, mas que estão, talvez ainda, na Idade Medieval.

    Beijinhos da Luz.

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  5. Ah, as imagens, pois!

    Magníficas, condizentes e assombrosas. Algumas, a mim, causam-me, algum respeito.

    Beijinhos da Luz.

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  6. São 06:10hs da manhã aqui em Porto Alegre... e eu começo a me organizar para ir ao trabalho... por enquanto, silêncio, quase não ouço barulho de carros e já começou a clarear. Enquanto isso, eu lia esse poema chamado Julgamento... lindo! Adorei lê-lo... beleza, fantasia, esperança para começar o dia e... compartilhando o teu olhar, minha linda.

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  7. Somos peritos em julgar as situações e os outros.
    Daí à maledicência é um saltinho. E dizer mal dos outros é o desporto nacional mais praticado... Onde quase todos são Ronaldos.
    Gostei do seu texto.
    Cristina, tenha uma boa semana.
    Abraço.

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  8. MUITO BELO ESTE "JULGAMENTO" QUERIDA!
    BEIJINHO <3

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  9. ESPECTACULAR.....ESTE JULGAMENTO!
    ADOREI <3 CRIS AMIGA <3

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  10. Minha querida

    É preciso muita coragem para tirar a própria vida (há quem diga que é cobardia), mas eu acho que não.
    Um texto que me emocionou muito embora contado com muita sensibilidade.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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  11. Não sei se o facto é real ou não...Sei que está extraordinàriamente bem escrito e descrito. Para se cometer uma tal acção é mesmo necessário estar no extremo da desilusão e do cansaço da vida.
    Belíssimo o texto.

    Bjgrande do Lago com amzade

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  12. Um texto que nos envolve com a beleza poética e a sensibilidade da narradora,que nos aponta

    as falhas humanas na perversidade dos julgamentos.Enquanto a natureza em relâmpago a ilumina,

    de olhos fechados para esta realidade.

    Sensacional,Cristina!

    Beijinho.

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  13. Bom dia, querida Cristina!

    Como está?

    Já sabia que tinha publicado, e talvez hoje comente o seu poema, que não li, ainda.

    Obrigada por ter comentado o meu, que, por lapso, e porque sou "expert" (coitadita) nesta coisas de Informática, saltou para o meu blogue, porque cliquei em publicar e não em pré-visualizar, como faço sempre, enquanto o vou escrevendo.

    O poema é muito grande, e está, ainda, em fase experimental.

    As minhas desculpas, e guarde, por favor, as suas palavras lá mais para o fim do mês, ou princípio de fevereiro.

    Boa semana.

    Beijinhos da Luz.

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