sábado, 14 de dezembro de 2013

Um Sonho de Papel



Chamavam-na por um diminutivo, normalmente usado para o seu nome. E ela respondia com um sorriso espontâneo e curvilíneo tão largo, capaz de abarcar  o mundo.  Era assim que sentia, era assim que se via, era assim que pensava, como se já tivesse nascido mulher, e transportasse o peso do mundo, nos seus ainda pequeninos ombros.

A expressão do seu olhar, emanava um brilho meio transparente meio luzidio, capaz de iluminar as travessas mais escuras da vida. E ela tinha consciência disso. Sabia que tinha de proteger, que tinha de ajudar, que tinha de indicar caminhos, àqueles que por cegueira não conseguiam alcançar com os olhos, as coisas mais simples.

Nada lhe era devido, tudo lhe era emprestado. Até a alcova que lhe servira de colo, tinha a rede gasta puída, de outros afectos, construídos à margem do tempo e do espaço que era seu.

Era inteligente, assim diziam. Não sei se por ser verdade, ou se por ser motivo de reconhecimento para quem  o dizia. No entanto, o seu conhecimento era maior ,que tudo o que alguma vez lhe ensinaram. O seu amor era maior, que aquele que alguma vez sentira receber.

Há pouco tempo foi-me apresentada. E a emoção foi tanta quando olhei para ela, que os meus olhos se embaciaram com a nudez da sua alma.

Falou-me dos dias longínquos de sonhos interrompidos, dos segredos guardados no cofre das emoções mais íntimas, dos desejos sufocados e reprimidos por diversas tempestades, das crenças adiadas, e das desilusões assumidas sem reclamar.

Confessou-me ter sido mais forte que a força que possuía. E também de ter amado mais do que podia.

Revelou-se. E eu escutei-a.

Senti vontade de saber mais, de perguntar sobre si, mas contive-me e apenas  abracei-a.

Posso afirmar que foi o abraço mais longo da minha vida, os braços cresciam-me sem que eu conseguisse enlaçá-la.

À medida que tentava abraçá-la, o seu corpo alongava-se em todas as direcções. E ficou tão grande, tão grande, que deixou de caber dentro do nome que usavam quando a chamavam. E assumiu o seu. O verdadeiro. O que lhe era devido.

Porque sim. E porque o merecia. Disse-me.

A partir daí, atreveu-se a sonhar, com papagaios de papel.


(eu)

Imagem- Olga Sinclair


14 comentários:

  1. Um texto intrigante... Mas enfim, há momentos que um abraço dispensa palavras. Um bju querida e tudo de bom.

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  2. Olá Cristina!
    Posso sentir sua emoção ao escrever esse belo texto, tão rico de sentimentos
    que emocionou-me também!
    Seja muito feliz!
    Beijos!

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  3. Um abraço desmedido que as tuas palavras conseguem abarcar. É poesia, é vida e alegria. Os caminhos poéticos são surpreendentes e com muita mestria desnudas-te a alma.
    Que a quadra que se aproxima venha repleta de felicidade.

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  4. Fiquei muito impressionado com este seu texto, talvez porque gosto de papagaios de papel e me recorde a minha infância...ou talvez por outros simbolismos para onde as suas palavras me transportam, talvez...
    Eduardo

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  5. Um abraço desmedido que as tuas palavras conseguem abarcar. É poesia, é vida e alegria. Os caminhos poéticos são surpreendentes e com muita mestria desnudas-te a alma.

    Que a quadra que se aproxima venha repleta de felicidade.

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  6. Há abraços assim
    tão apertados
    que nem o Natal que vai começar
    Abraço amigo

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  7. Há abraços assim tão apertados
    Abraço amigo

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  8. gostei muito Cristina.

    talvez ela também navegue em barcos de papel...

    e aqui fica o meu abraço tão grande como o dela!

    :)

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  9. Olá, querida Cristina!

    Ao ler o seu texto, na primeira vez, passei por cima de um "já", que faz toda a diferença no conteúdo e sentido do mesmo. À segunda leitura, encontrei o tal "já" e mudou tudo, mas mesmo tudo. Explicando melhor, e para que também entenda ao meu raciocínio, refiro-me à segunda linha do seu fabuloso texto: "como se JÁ tivesse nascido mulher". Tirando, ou não lendo eu o "já", o meu comentário seria, completamente, diferente.

    Parece um texto, não direi natalício, mas tem muitos laivos de ternura, magia e muito encantamento. Parece-me real, mas só a escritora o poderá saber, e é deixando a narrativa em aberto, que a imaginação do leitor, se expande, o que só faz bem, e dá muito gozo ao escritor/a.

    Penso que percebi tudo o que escreveu, de forma magistral, mas simultaneamente, simples e tão natural. Alguém, que já não sendo novo, neste caso, nova, sempre a trataram por um diminutivo, que conservou ao longo da vida e que lhe "enchia as medidas" . Ainda, nos nossos dias, temos "Luisinhas" ou "Teresinhas", embora elas tenham 80/90 anos.

    Apesar de "nada" ter sido dela, mantinha nos olhos, um brilho inatingível, e que nunca se apagou, mesmo com a idade. A estas pessoa, eu chamo: AGRADECIDOS, FELIZES E ILUMINADOS.

    Ainda as há, embora em vias de extinção, porque, cada vez mais, as pessoas se habituam a ter tudo, mas mesmo tudo, e sobretudo o supérfluo.
    A personagem do seu texto, é bem o oposto, do que acabo de afirmar, porque ela, também foi menina, e decerto teria gostado de ter feito bolhinhas de sabão, voando para o ar, em olhares multicolores, ter saltado à corda (bons tempos, Cristina), vestir bonecas e armar casinhas, mas os sonhos, foram outros, ou melhor, foram aqueles que a vida lhe IMPÔS.

    Se fosse hoje, berraria e espanar-se-ia, num shopping, ao lado dos pais, vestida de fato de treino, exigindo mundos e fundos, ou iria para a rua ou para a Assembleia da República cantar "Grândola Vila Morena", enfim "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", muitas vezes para pior.

    A conversação que entabularam e AQUELE ABRAÇO, soube-lhe a pouco, mas há sempre na nossa vida, um beijo ou um abraço inesquecível.

    APÓS AQUELE ABRAÇO, A PERSONAGEM DO SEU TEXTO, SENTIU, QUEM SABE, SE PELA PRIMEIRA VEZ, "ASAS PARA VOAR", NA IMAGINAÇÃO DOS SONHOS, A QUE TODOS TEMOS DIREITO.

    E por que não? Que os papagaios de papel inundem a vida dela, agora, e das mais diversas formas, porque SONHAR É ALCANÇAR.

    Boa semana e beijinhos da Luz.

    PS: não há novidades nos meus blogues. Talvez, antes do natal, mas falar-nos-emos, ainda, se Deus quiser.





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  10. Como sempre, esqueci-me de falar da IMAGEM, que até coloquei em letras maiúsculas, a palavra, porque SIM, porque ela MERECE.

    As suas palavras conjugadas com a imagem são uma OBRA DE ARTE.

    E o seu cotovelito? Cotovelinho, não, já referimos isso, por causa das massas, mas olhe, Cristina, eu gosto muto de uma sopinha de cotovelinhos ou letrinhas. Tal como eu, a cristina deve ter juntado as letras na borda do prato e formar o seu nome, ou quaisquer outras palavras. ISSO É QUE ERA SONHAR!

    Beijinhos.

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  11. Olá, querida Cristina!

    Como está?

    É já "hábito", que nesta altura do ano, as pessoas desejem umas às outras, votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo.

    Eu, e embora me apetecesse que o natal durasse o ano todo, isto é, que houvesse amor entre as pessoas, compreensão e doação, não vou fugir à regra, porque a confirmo, ao desejar-lhe um:

    FELIZ NATAL, SOBRETUDO INTERIOR, PORQUE EXTERIOR É O QUE VEMOS MAIS, E UM BOM ANO NOVO, COM SAÚDE, PAZ E FELICIDADE.

    Beijinhos da Luz.

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  12. Cristina,
    Eis um bom exemplo dum texto que chega e aconchega. Obrigado.

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  13. Um excelente texto. Com papagaios de papel, com abraços, com emoção...
    Um beijo.

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