Chamavam-na por um diminutivo, normalmente usado para o seu nome. E ela respondia com um sorriso espontâneo e curvilíneo tão largo, capaz de abarcar o mundo. Era assim que sentia, era assim que se via, era assim que pensava, como se já tivesse nascido mulher, e transportasse o peso do mundo, nos seus ainda pequeninos ombros.
A expressão do seu olhar, emanava um brilho meio transparente meio luzidio, capaz de iluminar as travessas mais escuras da vida. E ela tinha consciência disso. Sabia que tinha de proteger, que tinha de ajudar, que tinha de indicar caminhos, àqueles que por cegueira não conseguiam alcançar com os olhos, as coisas mais simples.
Nada lhe era devido, tudo lhe era emprestado. Até a alcova que lhe servira de colo, tinha a rede gasta puída, de outros afectos, construídos à margem do tempo e do espaço que era seu.
Era inteligente, assim diziam. Não sei se por ser verdade, ou se por ser motivo de reconhecimento para quem o dizia. No entanto, o seu conhecimento era maior ,que tudo o que alguma vez lhe ensinaram. O seu amor era maior, que aquele que alguma vez sentira receber.
Há pouco tempo foi-me apresentada. E a emoção foi tanta quando olhei para ela, que os meus olhos se embaciaram com a nudez da sua alma.
Falou-me dos dias longínquos de sonhos interrompidos, dos segredos guardados no cofre das emoções mais íntimas, dos desejos sufocados e reprimidos por diversas tempestades, das crenças adiadas, e das desilusões assumidas sem reclamar.
Confessou-me ter sido mais forte que a força que possuía. E também de ter amado mais do que podia.
Revelou-se. E eu escutei-a.
Senti vontade de saber mais, de perguntar sobre si, mas contive-me e apenas abracei-a.
Posso afirmar que foi o abraço mais longo da minha vida, os braços cresciam-me sem que eu conseguisse enlaçá-la.
À medida que tentava abraçá-la, o seu corpo alongava-se em todas as direcções. E ficou tão grande, tão grande, que deixou de caber dentro do nome que usavam quando a chamavam. E assumiu o seu. O verdadeiro. O que lhe era devido.
Porque sim. E porque o merecia. Disse-me.
A partir daí, atreveu-se a sonhar, com papagaios de papel.
(eu)
Imagem- Olga Sinclair