Ainda tenho tempo!
Ainda tenho tempo para o último cigarro,
para a última gota deixada no copo de balão,
quem sabe até para o último passo de dança.
Ou então,
até poderei esperar
dentro do meu vestido vermelho
a chegada do próximo verão.
Ah!...tanto tempo que eu tenho!
- só não o queria gastar em vão.
Afinal até nem fumo!
E parece-me que esqueci completamente
para onde queria ir.
Foi como se de repente me tivesse transformado
numa ave que voa sem rumo,
à procura de um poiso para descansar ou dormir.
Pensando bem...
acho que vou ficar por aqui,
refastelada no sofá a contemplar
uma tela de Rembrandt que teima
em não sair da minha frente.
E insiste incomodar-me com o olhar.
Que quererá ele de mim?
Acho que não sou o seu género,
nem tampouco sei porque razão veio parar aqui.
Entrou-me no poema inesperadamente,
só que neste momento eu preferia Dalí.
Esse sim, como que ressurgido do renascimento
devolve-me a visão humanista e naturalista
que habita dentro de si,
no surreal dos seus sonhos...pintados.
Dou mais uma volta e,
aninho-me no meu assento.
Acendo um pau de incenso e ao som de Satie
fico à espera do tempo, um tempo só para mim.
Mas atenção!
Ainda que dissimulada, não é minha intenção
petrificar-me em estátua:
mesmo que que fosse no Louvre,
-Vénus de Milo nem pensar,
quero ter dedos para escrever e braços que saibam abraçar
-Vitória alada de Samotracia, também não,
embora com asas, falta-lhe a cabeça para sonhar
e um olhar que sorri.
A não ser, que fosse...Psique reanimada por el beso del amor...!
Et voilà!
Afinal, parece que este olhar sonhador lançado sobre ti,
descobriu que da última festa, sobre a mesa da sala
ainda resta um último mon cheri ...
ao lado de duas flutes vazias.
Espero-te então, dentro do meu vestido vermelho.
Será que vens a tempo?
Ou terei de esperar até ao próximo verão?
Imagem- Google