Através de mim
chegam-me mares imensos,
corais, peixes,
vida em plenitude...
Um navio onde o fulgor é chama,
e uma limalha de ferro
que me dilacera o peito.
Chegam-me dores
de uma existência diminuta,
olhos alheados
em rios de infinitas mágoas
a mendigar ócio noutra latitude.
Chegam-me laivos
sangrentos de despedida,
farpas soltas
numa vida cheia de nada,
em que no sortilégio da metáfora,
e no mistério da palavra escrita
consigo sentir-me afortunada.
Chegam-me sons oriundos
de um mundo que desconheço,
enquanto sorvo faminta
o pulsar do meu corpo inteiro.
E acredito ser carne
e acredito ser gente,
ser carne à altura do que é eterno
na morte que se demora
a este soluçar de tédio.
Chegam-me limalhas de ferro
embrulhadas em luz
e a obscena lucidez
em que me detenho.
(eu)
Imagem. Laurence Winram